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Soterrando o passado, reescrevendo o presente, manipulando o futuro

Memória em disputa.

Leila Figueiredo
Por: Leila Figueiredo
07/05/2025 às 16h27 Atualizada em 08/05/2025 às 15h05

Você provavelmente conhece alguém que foi perdendo a memória ao longo do tempo. Eu mesma vivi esse tormento com um parente próximo, e cheguei à conclusão de que a memória é um tecido coletivo. Uma pessoa começa a esquecer, e aí quem tá em volta vai esquecendo também, num efeito dominó..  

Por isso é importante ter registros. Fotos, vídeos, livros, relatos, manuscritos, objetos que a gente possa tocar e assim compreender o que ficou pra trás.

O que a gente não percebe é que essas provas materiais do que existiu podem ser soterradas, manipuladas, reinterpretadas e, no fim, gerar ou uma nova memória ou negar o que nossos olhos já viram. Vou te mostrar como isso acontece no nosso estado.

O Arquivo Público do Maranhão é utilizado por pesquisadores pra entender não só o que aconteceu no estado ao longo dos últimos séculos, mas também compreender o que pode acontecer; é uma janela pro passado e também para o futuro. O prédio do Arquivo Público, pelo que seus usuários e o Ministério Público dizem, está caindo aos pedaços e seu acervo ameaçado pelo governo que negligencia a manutenção do local e a necessidade de profissionais capacitados para lidar com o acervo.

A Estrada de Ferro Carajás é utilizada por uma empresa privada para transportar 3 milhões e seiscentos mil doláres em minério de ferro (a cada viagem!) de minas no Pará até portos em São Luís. Construída na ditadura militar, a EFC é fundamental pra entender não só o que aconteceu no estado ao longo das últimas quatro décadas, mas também compreender o que pode acontecer; é uma janela pro passado e também para o futuro. A EFC não está caindo aos pedaços e muito menos ameaçada - ela persiste, apoiada por todos os governos maranhenses e mantida na base de atropelamentos e acordos questionáveis..

Num caso, negligência. No outro, apoio.

O Arquivo é desconhecido pela maioria da população. Sua importância é minimizada, denúncias sobre sua precariedade são tidas como exagero. O povo não percebe o Arquivo nas redes sociais e não sabe que nossa memória está ameaçada.

A EFC é palco de vídeos de influenciadoras e assim vira destino desejado por milhares de pessoas que assistem aos vídeos e pensam “olha que lindo o trem no Maranhão!”. O povo vê a ferrovia nas redes sociais e não sabe que nossa memória está sendo ameaçada.

Num caso, soterramento da memória. No outro, reescrita.

São 900km de trilhos transfigurados: não mais um palco de miséria, envenenamento, dezenas de atropelamentos por ano, retrato do que somos como estado extrativista e do que podemos ser, com uma população cada vez mais miserável e doente. A reescrita da memória transformou os trilhos em conexão, modernidade e influência. O passado reinventado é glorioso, e o futuro é a expansão da ferrovia - e dos lucros da empresa.

São milhares de documentos transfigurados: O Arquivo Público não é mais palco de pesquisas, de possibilidade de políticas públicas, de aprendizado sobre o que podemos ser, com uma população cada vez mais informada e capaz de exigir mais de quem nos governa. O soterramento da memória transformou nossos registros em ruína, descaso e esquecimento. O passado é enterrado sob escombros, desconhecido, e o futuro é cheio de incertezas..

Há quem ache que esses processos são distintos. Eu acho que, sem um espaço seguro para resguardar nossas memórias, somos mais vulneráveis a acreditar em quem quer esconder ou reescrever o passado e manipular as possibilidades do nosso futuro. A memória é um tecido coletivo; do Arquivo Público aos trilhos do trem, já passou da hora do maranhense proteger suas memórias -inclusive as ruins - e usar esse conhecimento para escrever novos futuros. 

"As opiniões, crenças e posicionamentos expostos em artigos e/ou textos de opinião não representam a posição do iMaranhense. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores."

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Leila Figueiredo
Leila Figueiredo
É graduada em Ciências Biológicas pela UFMA, mestra em Biodiversidade e Conservação e doutora em Estudos do Desenvolvimento pela Lincoln University.
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