A internet funciona num ritmo frenético.
Essa semana uma nova versão do ChatGPT, uma Inteligência Artificial gerida por um homem branco de extrema-direita, foi lançada. Não por coincidência, a ferramenta lançou uma modinha pra que pessoas tivessem suas fotos transformadas em desenhos no estilo de um estúdio de animações japonês. Em uma hora o ChatGPT ganhou 1 milhão de inscritos. A modinha virou um tsunami de gente treinando de graça a plataforma de um bilionário da tecnologia.
O mesmo ritmo frenético inundou minhas redes. Fiz um vídeo alertando contra essa modinha e falando sobre os perigos da Inteligência Artificial para seres humanos e meio ambiente. No momento que escrevo essa coluna, o vídeo já teve mais de 1 milhão e 300 mil visualizações. Passei um dia inteiro respondendo aos comentários. Perdi a esperança na humanidade algumas vezes. E por fim tive minha conta no Instagram restrita novamente, pois alguém achou por bem comprar seguidores falsos pra mim e, assim, fazer com que a plataforma colocasse minha conta em quarentena. É o ritmo frenético das redes, sempre perigosas, sempre calando quem denuncia seus malfeitos.
O Maranhão também funciona num ritmo frenético. Nas últimas duas semanas nós tivemos um balaio de absurdos que compete com o ritmo das redes sociais. Como me falta espaço aqui, quero falar pra vocês de duas das situações que misturam desinformação, interesses milionários, e sofrimento do povo - exatamente como acontece nas redes sociais.
A Empresa Maranhense de Administração Portuária resolveu alardear o início de um tal Plano de Descarbonização do Porto do Itaqui. Nesse suposto plano, discute-se a “redução de gases de efeito estufa” nas operações da Transpetro no Porto. Veja você: 74% da emissão de gases de efeito estufa no Brasil vem de operações associadas ao agronegócio, em particular o desmatamento. É o pessoal que produz soja e usa o Porto do Itaqui pra exportar seus produtos mundo afora. Mas o Porto do Itaqui quer se descarbonizar! Será que esse é um anúncio de que vão parar de exportar produtos do agro? Não. É mais um conjunto de palavras muito bem escolhidas, uma salada de frases vazias sobre “transição energética”, “mitigação”, “aliança entre setor público e empresas”, “avanço”.
Sabemos onde essa conversa termina. Aliás, se você não sabe, eu te conto.
Em Anajatuba, o tal “avanço” e “aliança entre setor público e empresas” começa com a construção de uma estrada em meio a um sítio RAMSAR. Você não sabe o que é isso? São 2.500 áreas protegidas no mundo todo através de uma Convenção Internacional que diz que todos os países signatários precisam tomar todas as medidas possíveis para a proteção dessas regiões. O Brasil tem 27 áreas como essa.
O Maranhão, sozinho, tem 3.
E é justamente um desses Sítios RAMSAR, a Baixada Maranhense, que vai ser destruído pelo “avanço” da tal “Estrada do Camarão” e demais obras relacionadas ao Plano de Desenvolvimento da Carcinicultura do Maranhão. Imagine só: transformar uma região de manguezais e campos alagados num imenso criadouro de camarão de cativeiro que é, não por coincidência, uma das atividades mais prejudiciais ao ambiente. É pela nova estrada que a produção de camarão vai ser escoada para mercados nacionais e internacionais, talvez pelo mesmo Porto do Itaqui - quem sabe “descarbonizado” até lá. Acredita quem quiser nesse desenho infantilizado.
No Rio Grande do Norte, pólo nacional dessa atividade, empresários da carcinicultura cercaram grandes áreas de manguezais nesse tipo de ‘parceria púbico/privada’. Pescadores e comunidades extrativistas que viviam ali de repente precisaram implorar aos Senhores do Camarão para acessar áreas na qual cresceram e de onde tiravam seu sustento. Muita gente foi morta. Jagunços não são só na floresta, sabe? Tem no mangue também.
Há anos a carcinicultura assombra a população da Baixada. Há anos o poder público quer esse “avanço” invadindo os campos alagados e manguezais, cortando territórios de gente que vive lá há centenas de anos, e trazendo ainda mais conflitos pra uma população que já é marginalizada. Aliás, marginalizada em todos os sentidos: Denúncias apontam que o governo maranhense não fez a consulta prévia, livre, e informada que é obrigatória em licenciamentos ambientais como o da nova estrada. Disseram que não havia ali qualquer comunidade tradicional - uma estratégia bem conhecida da gestão ambiental do governo maranhense, que já foi alvo de denúncias no Ministério Público diversas vezes ao longo de décadas.
O frenesi do desenvolvimento não pára e a classe política maranhense sacrifica sua população no altar de qualquer empresa, qualquer negócio, qualquer modinha. Talvez quando a estrada estiver pronta e os Barões do Camarão chegarem, o governo do estado publique nas redes uma montagem com o ‘avanço’ na Baixada. Feita no ChatGPT, claro.
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