A reação do desembargador Francisco Ronaldo contra recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que sugeriu ao juiz Francisco, titular de Vara de Execuções Penais, não usar sandálias no exercício da função – é mais um capítulo das tragicomédias institucionais do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA).
A função pública exercida por magistrados, advogados, defensores e membros do Ministério Público pressupõe compromisso com a credibilidade do Judiciário. Tal compromisso se materializa na adoção de vestes talares, trajes formais e, sobretudo, na contenção das opiniões pessoais fora dos autos ou da produção acadêmica. Preserva-se, assim, a imagem de neutralidade que legitima a autoridade judicial perante a opinião pública.
Para a manutenção da imparcialidade objetiva, as pautas jurisdicional ou administrativa não servem para que membros da Corte desconsiderem o postulado da inércia, para emitir opinião não requerida, sobre tema alienígena, em confronto aberto ao órgão de controle externo. Rede social, sala de aula ou colunas jornalísticas são espaços adequados para divergência intelectual. A sessão plenária, não.
Mais grave ainda: o TJMA e a AMMA (Associação dos Magistrados do Maranhão) contam com diretorias próprias, legitimamente eleitas, aptas a representar seus filiados em juízo ou fora dele. Caso o magistrado atingido deseje impugnar o ato do CNJ, dispõe de advogados e meios processuais para tanto. A figura do desagravo público não tem paralelo no estatuto da magistratura – é exclusiva da advocacia, por força de lei.
A inexistência, no Código de Organização Judiciária ou no Regimento Interno, de qualquer cargo ou função destinada à defesa pessoal de magistrado reforça o princípio constitucional da legalidade estrita e a atividade privativa dos inscritos na OAB. Como afirmou o Supremo Tribunal Federal no RE 195.227 (1996), na administração pública “não há liberdade nem vontade pessoal”.
É contraditório, portanto, lamentar a morosidade judicial, o acúmulo de impetrações, correições parciais, incidentes e recursos enquanto se desvia o tempo da mais alta Corte estadual para promover desagravo informal e midiático, em defesa de causa alheia à pauta institucional. Votos, relatórios, despachos e decisões judiciais deixaram de ser lavrados para que um ex-presidente da AMMA gravasse um vídeo no YouTube.
Some-se o desperdício de energia, refrigeração, infraestrutura tecnológica e horas de trabalho de dezenas de gabinetes – comprometendo, inclusive, metas de sustentabilidade e redução da pegada de carbono do TJMA. Tais desvios de finalidade, ainda que travestidos de solidariedade, não se justificam, sobretudo quando se destinam a servidor cuja remuneração o insere no topo da pirâmide de renda nacional.
Sabido que o TJMA concede afastamentos a magistrados para participação em campeonatos de futebol – sem prejuízo da remuneração e notícia de impugnação pelo CNJ – os comportamentos da presidência e do vogal parecem coerentes. E o que dizer da legitimidade?
Nenhum jurisdicionado ou advogado se dirigiu ao plenário do Tribunal para ouvir desagravos informais de pós-graduado, sem obra publicada ou vínculo com academia jurídica, logo o tempo útil de tantos não poderia ser subtraído. O que se viu foi o uso indevido da estrutura pública para atender a uma pauta meramente corporativista, em flagrante omissão da presidência do colegiado.
No Judiciário, forma é substância e instrumento de legitimação. A estética do cargo e o respeito às funções institucionais – presidência, decanato, corregedoria, diretorias eleitas – garantem a separação entre apuração, acusação, defesa e julgamento. O voluntarismo desestruturante, ainda que bem-intencionado, deve ceder à liturgia das instituições.
A fidelidade às pautas administrativa e jurisdicional é o que assegura à sociedade a previsibilidade e a legalidade da atuação do Tribunal. Fora disso, e sem provocação de alguém, sobra espetáculo. Um estagiário de Direito, ainda no terceiro período, fez a pergunta essencial: “Desembargador pode fazer isso?”
O desserviço foi imenso. E, infelizmente, institucional.
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