O cotejo entre a Lista de Antiguidade em 28-2-2025 e a Portaria da Corregedoria Geral de Justiça – CGJ 1501, de 10-4-2025, revela que magistrados de comarca de entrância inicial, sequer vitaliciados, terão jurisdição plena em todas as unidades judiciárias do estado do Maranhão, no período de 4-4-2025 a 1º-8-2025.
A Portaria diz, com elogiável franqueza e clareza, que a lista de Processos Monitorados é destinada ao cumprimento das Metas do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, indispensável à concessão de Prêmio de Qualidade almejado pelo Tribunal de Justiça – TJMA. Indica também que o projeto Produtividade Extraordinária está baseado num Provimento, numa Resolução do Gabinete da Presidência e numa Portaria.
A falta de lei autorizadora seria suficiente a demonstrar a ilegalidade do projeto e encerrar o semanário, mas prossigamos. Com tantos juízes auxiliares nas comarcas de entrância final – Caxias, Imperatriz, São Luís e Timon –, por que conferir a magistrados recém-empossados e sem experiência funcional consolidada, atribuição judicante em todo o território do estado?
O postulado do juiz natural tem assento constitucional (art. 5º, LII, LXI e LXII) e em tratados internacionais internalizados à ordem jurídica nacional [arts. 14.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – PIDCP (Decreto 592/1992) e 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH (Decreto 678/1992)], com força normativa supralegal e eficácia paralisante das disposições em contrário [RE 466.343 RG – mérito (tema 60), rel. Cezar Peluso, j. 3-12-2008 in RTJ 210/745].
Com o Decreto 4.463/2002, o Brasil reconheceu a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da CADH, e a Recomendação CNJ 123/2022 concitou a magistratura a observar os julgados. A sentença de 17-11-2009, referente ao Caso Barreto Leiva vs. Venezuela, dispõe:
76. O juiz natural deriva sua existência e competência da lei, a qual foi definida pela Corte como “a norma jurídica de caráter geral, voltada ao bem comum, emanada dos órgãos legislativos constitucionalmente previstos e democraticamente eleitos, e elaborada segundo o procedimento estabelecido pelas constituições dos Estados Partes para a formação das leis.” Consequentemente, em um Estado de Direito somente o Poder Legislativo pode regular, através de leis, a competência dos julgadores.
Exatamente um ano depois, o Supremo Tribunal Federal – STF reafirmou que o postulado do juiz natural encontra na reserva de Parlamento a sua maior proteção. Ausente lei em sentido estrito, a convocação de juízes é inconstitucional [RE 597.133 RG – mérito (tema 170), rel. Ricardo Lewandowski, pleno, j. 17-11-2010 in RTJ 219/611].
O Código de Divisão e Organização Judiciaria – CODOJ autoriza a designação para respondência ou a convocação para substituição, auxílio ou formação de quórum, somente. Jamais houve esforços para atuação paralela, exclusivamente para lista de processo elaborada pela CGJ visando a obtenção de prêmio do CNJ.
Por melhores que sejam as intenções, apenas a Assembleia Legislativa poderia acrescentar a hipótese de cumulação de jurisdição com a presença do titular, após o envio de Mensagem da Presidência do Tribunal de Justiça contendo o Projeto de Lei. As prioridades das políticas públicas são definidas pelo Parlamento, cumpre lembrar.
Sob o ângulo da pluralidade institucional, não há notícia de debate da iniciativa com a OAB, o Ministério Público e a Defensoria Pública. É impossível, igualmente, saber se os titulares das unidades judiciárias solicitaram a atuação paralela do juiz extraordinário ou, de alguma forma, concordaram com o reforço oferecido. O odor de intervenção corre léguas!
Conquanto as Metas e os Prêmios do CNJ sejam institucionalmente relevantes, o estado abriga 42 mil indígenas, 197 comunidades quilombolas e inúmeros ribeirinhos. A renda familiar e o saneamento básico são precários, somos o pior Índice de Desenvolvimento Humano – IDH da federação e o Brasil foi condenado pela Corte IDH no Caso Comunidades Quilombolas de Alcântara, conforme sentença de 21-11-2024.
Além de irregular, ilegal, inconvencional e inconstitucional, o projeto Produtividade Extraordinária não prioriza populações vulneráveis, tampouco observa sentença internacional com efeito concreto no território maranhense. Parece que condecorações são mais importantes que resultados práticos na vida das pessoas.