Conhecida como A voz da Mata Atlântica, a araponga possui gorjeio alto, estridente e metálico, qualidades opostas ao que se espera de um espião. Para satirizar o costume da época, Araponga veio a ser o título de uma telenovela, exibida pela Rede Globo em 1990, e o codinome de um policial federal que tentava reativar o Serviço Nacional de Informações, enquanto lidava com seu fetiche em colecionar calcinhas.
Atrapalhado e entusiasta das ideias e hábitos do velho regime, teorizou conspirações e elos imaginários entre pessoas e situações, até apaixonar-se pela jornalista que, num quarto de motel, entrevistara o senador alvo de suas campanas. O político teve uma síncope e morreu durante o ato.
Anteontem foi noticiado um pedido de investigação, assinado pelo Procurador Geral do Estado, em face de dois Procuradores do Estado cedidos ao STF, ambos com atuação no gabinete do ministro Flavio Dino. Uma vez formalizadas as nomeações, opera o licenciamento do exercício da advocacia pública ou privada.
Segundo a Notícia de Fato, os dois acessaram mais de 130 vezes o Sistema Eletrônico de Informações – SEI da procuradoria maranhense, com registros de IP apontando o STF, na busca de documentos relacionados à Rcl 69.486, no bojo da qual o Solidariedade postulou o afastamento do PGE/MA.
Por lealdade institucional, logo que comunicados da cessão ao STF, os procuradores do estado deveriam solicitar ao setor de Tecnologia da Informação – TI a revogação dos acessos aos sistemas administrativos vinculados ao cargo, de modo a impedir o uso indevido por terceiros, pois a presunção é que jamais fariam aquilo.
Sob o ângulo da legalidade administrativa, uma vez nomeados assessores de ministro não poderiam agir além das atribuições da função, pois segundo o STF: na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal, e só é permitido fazer o que a lei autoriza. (RE 195.227, rel. Maurício Corrêa, 2ª T, j. 27-9-1996)
Cidadãos e instituições públicas e privadas sabem da existência de canais oficiais para a requisição e obtenção de informações constantes de banco de dados públicos, não havendo explicação a justificar a atividade de prospecção por servidores de gabinete de ministro. É que além das polícias (rodoviária) federal, civis e militares, mais de 30 ministérios públicos e outra quantidade igual de defensorias públicas, somos o país com a maior quantidade de advogados por habitante do planeta.
Conhecidas as metas de redução de acervo processual dos gabinetes, porquanto divulgadas pelo CNJ e pela presidência do STF, a expectativa legítima nutrida no tecido social é que os assessores de ministro estariam concentrados nas atividades-fim, ficando as partes encarregadas de instruir os feitos. Neste aspecto, o simples protocolo da Notícia de Fato prejudica a confiança que a sociedade (ainda) deposita no STF, pois incide a parêmia romana: à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.
A notícia da atividade inusitada dos servidores de gabinete de ministro do STF, que fora governador, deputado e senador pelo Maranhão, coincide com as publicações do jornal O Globo e da Revista Oeste, ambas a colocar Flávio Dino como nome da esquerda à presidência da república.
As instituições importam mais que seus membros, sendo indispensável que a OAB nacional e o Instituto dos Advogados do Brasil – IAB endossem o pleito apuratório, pois ninguém pode desconfiar, ainda que minimamente, que a Procuradoria do Estado ou o STF estão a serviço de algum espectro político, partido ou pessoa.
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