Sábado, 15 de Março de 2025
25°C 28°C
São Luís, MA
Publicidade

Inocentes pelas mãos das parteiras

Rui Barbosa presente.

Aldenor Rebouças Jr
Por: Aldenor Rebouças Jr
09/02/2025 às 13h18 Atualizada em 27/02/2025 às 14h45
Inocentes pelas mãos das parteiras
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Divulgado o relatório da Operação 18 Minutos, que envolveu quatro desembargadores, dois juízes, advogados, um ex-deputado, um prefeito e ex-assessores do Tribunal de Justiça, vários jornalistas, blogueiros e até advogados disseram que alguns “foram inocentados” pela polícia federal. Uma impropriedade terminológica imperdoável.

Continua após a publicidade
Anúncio

Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou os processos penais contra Lula, surgiu o termo "descondenado". Já os críticos de Bolsonaro ironizam com "bandido bom é bandido morto". Os conceitos jurídicos, no entanto, devem prevalecer sobre o senso comum e o sentimento de impunidade ou a trepidação social causada pelo inusitado.

Condenado e foragido Protógenes Queiroz e anulada a Operação Lava Jato, por que a população leiga, bacharéis, especialistas, mestres e doutores em direito ainda creem (tanto) na polícia federal, quase a exigir que simples investigados provem as suas próprias inocências? Qual a função social dos títulos e pesquisas acadêmicos? O que se espera de jornalistas, blogueiros e advogados?

Continua após a publicidade
Anúncio

Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência. (HC 73.338, rel. Celso de Mello, 1ª T, j. 13-8-1996 in RTJ 161/264)

Somos inocentes desde a Declaração de Nascido Vivo emitida por profissionais de saúde ou parteiras tradicionais. Se o parto ocorrer a mais de 30 km da serventia extrajudicial, os pais têm até três meses para realizar o registro. Nem temos nome, mas a inocência já integra o nosso plexo de garantias fundamentais.

Continua após a publicidade
Anúncio

O Estado de direito viabiliza a preservação das práticas democráticas e, especialmente, o direito de defesa. [...] Por isso usufruímos a tranquilidade que advém da segurança de sabermos que se um irmão, amigo ou parente próximo vier a ser acusado de ter cometido algo ilícito, não será arrebatado de nós e submetido a ferros sem antes se valer de todos os meios de defesa em qualquer circunstância à disposição de todos. (HC 95.009, rel. Eros Grau, pleno, j. 6-11-2008 in RTJ 208/640).

Os acórdãos invocados são propositalmente históricos, extraídos da Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, de modo a ilustrar o quão sedimentada é a garantia constitucional do estado de inocência, além de constranger os professores e estudantes de direito a assumirem um papel transformador da sociedade. À míngua do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ninguém pode ser tachado nem tratado como culpado.

Não houve acusação formulada pelo ministério público, tampouco o STJ reputou válida a denúncia, nem apresentadas defesas técnicas por advogados. Por que, então, as práticas sociais, acadêmicas e profissionais divergem do discurso do direito?

Enquanto tivermos a incandescência gerada pelas eleições bienais, a mera existência de sindicâncias, inquéritos e procedimentos apuratórios serão usados para atacar a honra dos candidatos, com aplicação das melhores técnicas de viralização na imprensa tradicional e eletrônica e redes sociais. A par de exacerbar a polarização política, as polícias e os ministérios públicos são rascunhados como vestais.

As publicações dos portais das polícias civil e federal, do ministério público e dos tribunais de justiça e federal deveriam zelar pela sobriedade e disseminação de conteúdo, na esperança de que as demais instituições adequem seus procedimentos e entendimentos aos órgãos de cúpula. Lamentavelmente, também adotam a política de engajamento de conteúdo, contagem de cliques, curtidas e seguidores.

Por estas razões, os arquivamentos de investigações, as transações penais, os acordos de não persecução, as decisões absolutórias, a anulação de processos e outros benefícios ao implicado não atendem à linha editorial inquisitorial. Nenhuma polícia ou ministério público jamais noticiou: “após pedido de diligências da defesa técnica, a linha investigativa foi desviada de Fulano.”

As competentes e combativas defensorias públicas da União e dos estados estão divididas entre divulgar os serviços oferecidos, anunciar as conquistas em processos coletivos e dar publicidade às defesas em questões de alto impacto social e outros interesses difusos. É mais que compreensível não encontrar postagens sobre vitórias em matéria processual penal, de interesse de indivíduo.

A mudez e a resignação das associações de advogados criminalistas, das academias de letras e cultura jurídicas, dos institutos dos advogados, da OAB e das associações dos magistrados em lembrar a histórica advertência de Rui Barbosa:

Se o julgador, cuja opinião não condiga com a dos seus julgadores na análise do Direito escrito, incorrer, por essa dissidência, em sanção criminal, a hierarquia judiciária, em vez de ser a garantia da justiça contra os erros individuais dos juízes, pelo sistema dos recursos, ter-se-á convertido, a benefício dos interesses poderosos, em mecanismo de pressão, para substituir a consciência pessoal do magistrado, base de toda a confiança na judicatura, pela ação cominatória do terror, que dissolve o homem em escravo. (Obras Completas de Rui Barbosa, Vol. XXIII, Tomo III, p. 228).

Um viva às parteiras, que simbolizam o início da nossa jornada com a garantia do estado ou presunção de inocência.

* Os textos presentes nesta coluna não representam necessariamente a posição do iMaranhense. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
Insônia Jurídica
Insônia Jurídica
Aldenor Rebouças Jr. explora o que ocorre nos tribunais, na advocacia e nos bastidores do Poder Judiciário no Maranhão (TRE, TRT, TJ e Justiça Federal).
Ver notícias
São Luís, MA
28°
Tempo nublado
Mín. 25° Máx. 28°
31° Sensação
5.66 km/h Vento
74% Umidade
100% (9.31mm) Chance chuva
06h02 Nascer do sol
06h02 Pôr do sol
Domingo
28° 24°
Segunda
27° 25°
Terça
27° 25°
Quarta
27° 25°
Quinta
27° 25°
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,74 -0,08%
Euro
R$ 6,25 +0,03%
Peso Argentino
R$ 0,01 +0,00%
Bitcoin
R$ 513,377,60 +0,15%
Ibovespa
128,957,09 pts 2.64%
Publicidade
Publicidade
Publicidade