A formação da primeira lista tríplice exclusivamente feminina para composição de um Tribunal Regional Eleitoral – neste caso, o do Maranhão (TRE-MA) – representa um feito simbólico. Ainda que digno de registro, o marco histórico não pode encobrir as fragilidades de legitimidade e transparência no processo que o originou.
A escolha das candidatas, feita no âmbito do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), revelou uma série de decisões administrativas que suscitam dúvidas razoáveis. Conforme questionado publicamente pelo presidente do TRE-MA, desembargador Paulo Velten, o deferimento das inscrições se deu por ato solitário da presidência do TJ, sem referendo colegiado. Tal escolha, isolada, contraria o princípio da impessoalidade e expõe o procedimento a questionamentos evitáveis.
Mais grave é o fato de os processos de inscrição não estarem disponíveis para consulta nos sistemas judiciais. Em se tratando de cargo eletivo indireto, com função de representação do povo no interior da Justiça Eleitoral, o mínimo que se exige é transparência plena nos critérios de seleção. A publicidade, princípio constitucional que rege a administração pública, não se limita à publicação formal do edital, mas inclui o acesso amplo às informações e aos atos que permeiam o certame.
A ausência de esforços para garantir ampla participação também chama atenção. Embora o resultado tenha consagrado quatro mulheres, todas elas são da capital, sendo três conselheiras seccionais da OAB. De acordo com as informações processuais públicas do PJe eleitoral, apenas uma possui militância na justiça especializada.
A restrição geográfica da lista compromete a representatividade estadual. A Justiça Eleitoral, frequentemente contestada por sua neutralidade, deveria zelar por uma seleção mais diversa, sobretudo em um Estado com reconhecida pluralidade cultural, social e econômica. A aparência de imparcialidade, conceito-chave na legitimidade da Justiça, é igualmente reforçada quando os cidadãos percebem, sem sombra de dúvidas, que o jogo não é de cartas marcadas, nem resumido à capital.
A curta janela de cinco dias úteis para as inscrições reforça a impressão de açodamento. Esperava-se mais da Corte que conduz o processo, especialmente diante do recente episódio em que dois deputados estaduais foram cassados por fraude à cota de gênero. Nesse contexto, o incentivo à participação feminina no certame exigiria não apenas abertura formal, mas ações afirmativas concretas, como o engajamento de subseções da OAB no interior e a divulgação ativa do processo.
As decisões do Judiciário precisam resistir ao escrutínio público, inclusive interno. O argumento de que eventual vício estaria precluso não se sustenta. A autotutela administrativa permite a revisão de atos que contrariem princípios da legalidade e moralidade, ainda que de ofício. Em vez disso, preferiu-se blindar a condução do procedimento por meio de um ritual que não encontra paralelo em outras instâncias da federação.
Em tempos de desconfiança institucional, a legitimidade da Justiça Eleitoral não se sustenta apenas nos resultados, mas no processo que os gera. Tapetes vermelhos a candidatas não se confundem com favorecimentos — são ferramentas de correção histórica e aprimoramento democrático. A simbologia da lista feminina não pode servir de verniz a um procedimento mal-conduzido.
A democracia não se consolida com fórmulas prontas nem com a aparência de inovação. Requer compromisso institucional com a dúvida, com o contraditório e com a exposição crítica dos atos de poder. O Judiciário, quando age em esfera administrativa, também está sujeito a essas balizas.
O público eclesiástico e secular que outrora lia o Malleus Maleficarum (1487), que detalhava métodos de identificação, tortura e execução de supostas bruxas, agora interpreta o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 apenas como meio de expiação do pecado histórico, sem compromisso institucional e integral com o procedimento atinente à pauta.
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