O julgamento póstumo do Papa Formoso, ocorrido na Basílica de São João de Latrão, em janeiro de 897, é lembrado como um dos mais bizarros da história da Igreja medieval. Depois de exumado, vestido com as insígnias e ornamentos, o cadáver foi posto num trono e, então, o Papa Estevão VI pôde ler as acusações diante do corpo inerte.
O condenado teve decepados os três dedos da mão direita usados para bençãos, foi sepultado num cemitério para estrangeiros – uma desonra – e depois desenterrado para ser lançado no rio Tibre. O espetáculo macabro causou revolta, levando a deposição, prisão e ao estrangulamento de Estevão VI, em agosto de 897.
Aqui fomos regalados com um juiz Sidarta, aposentado compulsoriamente, um desembargador Jesus imortal, duas Marias, cinco Josés, um decano Antônio, Paulo, Francisco, Sebastião e um Jorge, todos prestes a receber um iPhone 16 Pro Max custeados pelo erário, sob o pretexto de que possibilitarão a participação on-line em reuniões, sessões e audiências, além de acesso rápido aos sistemas institucionais, especialmente o PJe.
Os magistrados e servidores têm domicílio necessário, correspondente ao endereço da lotação funcional, e o CNJ determinou o retorno às atividades presenciais. Portanto, os investimentos em tecnologia devem ser concentrados no aparelhamento dos gabinetes, coordenadorias e secretaria, onde devem estar os operadores do sistema de justiça.
Quem acompanha as sessões das câmaras, seções, órgão especial ou plenário facilmente constata que alguns desembargadores julgam desde o conforto dos seus lares, uma irregularidade funcional copiada por membros da Defensoria, Procuradorias do estado e município, e Ministério Público, nunca questionada pela OAB, a despeito dos prejuízos às prerrogativas dos advogados que se dirigem em vão à praça Pedro II, fóruns ou às sedes ministeriais e das procuradorias.
Tolerada a existência do cartel de concursados em regime de teletrabalho não oficial, digamos assim, o custo com a parafernália indispensável à demonstração da produtividade deve recair sobre cada um deles, nunca sobre o erário, sob pena de caracterização de benefício pessoal. É que incide o provérbio: “onde está o bônus, deve estar o ônus”.
A ótica é robustecida ante a constatação de que modelos mais antigos de iPhone ou iPad, Chromebooks e outros portáteis cumpririam as necessidades de serviço alegadas. Ao prestar esclarecimento, o Tribunal mencionou o processo administrativo 67542/2024, mas curiosamente deixou de publicar a Nota Técnica a dizer impróprias as alternativas menos onerosas. Fica a dica!
A Resolução GP 26, de 18/2/25, dispõe sobre a redução do consumo de energia elétrica nas unidades prediais do Judiciário, para supostamente preservar a natureza. Estão automatizados e programados os desligamentos dos ar-condicionado, às 17h30, e dos demais eletrônicos às 18h, incluídos os equipamentos de refrigeração de água potável e nobreaks.
Os mais de R$ 500 mil destinados à compra de 50 iPhone 16 Pro Max seriam melhor aproveitados com a aquisição e instalação de mais painéis solares nos fóruns, inclusive com a cobertura dos estacionamentos, de modo a atingir a autossuficiência energética, este sim um título institucional relevante a ser cobiçado.
Os comissionados e efetivos não merecem encerrar suas jornadas de trabalho “no calor”, nem as iniciar sem água gelada, tampouco os jurisdicionados e advogados. Infelizmente não temos como decepar três dedos dos togados que caminham na Litorânea, Espigão, Lagoa ou Rangedor, a partir das 17h.
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