Em 1087, 62 soldados de Bari, Itália, foram à Ásia Menor com uma missão peculiar: subtrair o cadáver de São Nicolau, o santo que originou a lenda do Papai Noel e patrono da cidade de Mira, na atual Turquia. Para contornar o mandamento "Não roubarás", os juristas católicos criaram um artifício: o furto foi considerado um mero translado. Bari se tornou um centro de peregrinação, levando a Igreja a formalizar a canonização.
Na sexta-feira houve peregrinação à sede da Associação dos Magistrados, em razão da posse solene da nova diretoria. Dois dias antes o Tribunal concedeu licença remunerada para desempenho do mandato classista ao presidente da AMMA, com prejuízo da função judicante. O papel timbrado da associação menciona decretos de utilidade pública do estado e do município, mas a população não tem acesso aos serviços básicos oferecidos, como vacinação.
Na segunda-feira veio à tona a existência do Pedido de Providências 454-33.2025, no qual o TJMA solicita ao CNJ autorização para pagar indenizações das licenças compensatórias de janeiro 2015 a janeiro de 2022. Apesar da prescrição quinquenal dos anos 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, as Decisões GP 11.488/2024 e 384/2025 atenderam integralmente à postulação da AMMA. Em 2024, o penduricalho custou R$ 28,94 milhões.
A fazenda pública cumpre suas obrigações através de requisições de pequeno valor ou precatórios, mas o presidente da Corte timbira sinaliza que o pagamento retroativo será em folha, conforme disponibilidade orçamentária e financeira, sem incidência de imposto de renda e contribuições previdenciárias.
Por razão desconhecida, a cada três dias de trabalho será concedido um dia de licença, embora a Resolução 109/2023 ofereça opções menos onerosas: um dia a cada quatro dias trabalhados, ou um dia a cada cinco. Por que não contabilizam os dias devidos e elaboram um calendário de fruição para reduzir o impacto financeiro?
São considerados dias de efetivo exercício feriados forenses, 60 dias de férias, licenças por saúde, doença na família, repouso à gestante e paternidade, afastamentos por casamento, falecimento de familiar e cursos de aperfeiçoamento. Por que é assim?
Porque apenas a AMMA tem voz nas sessões administrativas do Tribunal, e as academias de letras e cultura jurídicas se tornaram outorgantes de comendas. Atrocidades semelhantes ocorrem nas defensorias e ministérios públicos, e instituições de ensino formam profissionais voltados a exames de ordem e magistratura, sem vocação para ações populares. A OAB, AMAd, IAMA e outros órgãos não acompanham pautas administrativas nem apresentam memoriais. São os leões de pé de trono!
A suposta santidade dos fins não expunge a chapada imoralidade administrativa dos meios empregados pela AMMA, de modo a “transladar” a cada um de seus membros, verba indispensável à construção de vinte fóruns de comarcas interioranas não instaladas, para o atendimento de 42 mil indígenas, 197 comunidades quilombolas e inúmeros ribeirinhos. Atendimento humanizado requer mais que uma sala com computador, ar-condicionado, internet e água potável.
Para enfrentar uma insurreição das togas, coroada de êxito, somente valerá uma contrainsurreição com maior força, da sociedade civil organizada impulsionada por jornalistas, a fim de que as razões republicanas prevaleçam sobre as pretensões patrimonialistas daqueles que não praticam o conceito de probidade que exigem de políticos, gestores públicos e empresários.