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O que Lady Gaga, Maria Antonieta e o Judiciário têm em comum?

O paralelo entre cultura pop, história e sistema de justiça não é imediato, mas se impõe.

Sâmara Braúna
Por: Sâmara Braúna
04/05/2025 às 17h29 Atualizada em 04/05/2025 às 17h37
O que Lady Gaga, Maria Antonieta e o Judiciário têm em comum?
Foto: Reprodução/Redes Sociais

Recentemente, uma notícia chamou a atenção pela força simbólica que carrega: Lady Gaga, hospedada no icônico Copacabana Palace, observava da janela uma multidão de fãs acampados na calçada, muitos em condições degradantes, usando até fraldas para não perder a chance de vê-la.

Em resposta, a cantora enviou pizzas, gesto celebrado por muitos como generoso, mas que, sob outra lente, ecoa a célebre frase atribuída a Maria Antonieta: “Que comam brioche.”

Duas figuras de diferentes séculos, unidas por um gesto: oferecer algo simbólico (e insuficiente) a uma massa social carente de algo muito maior.

Na hora, meu olhar foi além do fenômeno pop. Fui para o campo que me dói e me move: o jurídico.

O paralelo entre cultura pop, história e sistema de justiça não é imediato, mas se impõe.

A pergunta que se impõe é: o “comam brioches” pertence apenas à política absolutista? O “comam pizzas” limita-se à cultura de celebridades? Ou estaria o Judiciário, também, servindo sua própria versão de migalhas, algo como “que comam denegação”?

No contexto da advocacia criminal, especialmente na atuação com habeas corpus, observa-se de perto a fragilidade de um dos pilares mais sagrados do Estado Democrático de Direito: a proteção à liberdade individual.

Há uma crescente constatação de que, mesmo com jurisprudência consolidada, fundamentos sólidos e previsão legal, decisões judiciais em habeas corpus estão sendo proferidas de forma padronizada, frequentemente com fundamentações genéricas ou, pior, com a ausência delas, como se a vida de um cidadão fosse apenas mais um número no “atacado” de uma justiça atolada, atrofiada e apressada.

Não bastassem os filtros institucionalizados, como Súmulas e Resoluções, para se chegar às Cortes Superiores, no Superior Tribunal de Justiça, tem se tornado comum o julgamento de habeas corpus em bloco, sem a voz da defesa, como se fosse possível decidir sobre a liberdade de alguém sem antes ouvi-lo, por meio de seu advogado.

Assim como a elite pop não precisa mais impor nada, porque há legiões que se ajoelham voluntariamente, também há setores da sociedade que naturalizaram ajoelhar-se diante de decisões “padrão” em habeas corpus, onde a individualização do caso concreto se dissolve em expressões como “Sigo o relator”.

Habeas corpus, que deveriam ser julgados com a sensibilidade de quem lida com a liberdade de alguém, passaram a integrar listas, lotes, blocos, julgados de maneira impessoal, silenciosa e “carimbada”.

O cenário revela um Judiciário que, assim como figuras históricas e ícones do entretenimento, age por vezes com um distanciamento da realidade popular, ainda que a massa que acampa às portas do Judiciário espere que cada processo seja lido como o que de fato é: uma biografia comprimida em páginas que pedem “socorro”.

Assim como o gesto de Lady Gaga não sacia a fome de sentido dos fãs, tampouco o carimbo de “ordem denegada”, frio, automático e impessoal, responde à sede por justiça que ecoa dos autos.

O problema nunca foi o brioche, a pizza ou a denegação em si. O problema é o vazio simbólico de tudo isso quando é oferecido a quem clama por justiça individual, mas recebe decisões em lote. Justiça, afinal, não se distribui em “atacado”.

Espera-se, portanto, que o Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição Federal, não “lacre” a esperança da liberdade; que resista à pressão do automatismo; que olhe para cada processo como um pedaço de vida humana.

O Supremo Tribunal Federal é a última trincheira da liberdade; é onde o cidadão precisa depositar sua fé, não por idealismo ingênuo, mas porque precisa acreditar que a função institucional do supremo exige isso: escutar o que mais ninguém quis ouvir, corrigir o que todos deixaram passar, proteger o que a pressa destruiu.

E eu, advogada criminalista, sigo aqui, esperando que o Supremo Tribunal Federal não trate o jurisdicionado como Maria Antonieta tratou o povo faminto, nem como Lady Gaga tratou seus fãs exaustos à porta do luxo. Que não sirva brioches nem pizzas, que sirva justiça!

Sâmara Braúna

Advogada há 24 anos, criminalista, especialista em liberdade, garantias constitucionais, em violência de gênero e crimes sexuais. Pós-graduada em Direito Penal. Conselheira Estadual OAB/MA.

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Sâmara Braúna
Sâmara Braúna
É conselheira da OAB-MA e advogada maranhense com especialidade em Direito Penal. Atuação com ênfase em HC, crimes sexuais, violência de gênero.
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