Por Claudio Marques
Advogado (OAB-MA 12.735). Professor do Curso de Direito da Universidade CEUMA. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Graduado em Geografia Licenciatura Plena pela Universidade Federal do Maranhão (2004) e Mestrado em Biodiversidade e Conservação pela Universidade Federal do Maranhão (2008). Especialista em Planejamento e Gestão Escolar pela Universidade CEUMA (2006). É servidor público federal. Técnico em Assuntos Educacionais, da Universidade Federal do Maranhão.Professor da Universidade CEUMA. Aréa de Atuação: Direito Civil (Obrigações e Família) e Direito Processual Civil. Mestrando em Direito e Afirmação de Vulneráveis (Mestrado Profissional) na Universidade CEUMA.
A realidade social é tão complexa que até mesmo se torna difícil discorrer sobre o que significa o namoro contemporaneamente. Maria Berenice Dias (é impossível escrever um artigo sobre Direito de Família e não fazer uma referência sobre sua clássica obra) pondera que é muito difícil reconhecer se o vínculo é de namoro ou de união estável, pois atualmente o namoro possui características parecidas com a união estável como “intimidade ímpar, comunhão de leitos e publicidade exacerbada” (Dias, 2021). Ou seja, muita intimidade, muito sexo, muita exibição e publicidade.
Neste contexto, sabendo-se das implicações patrimoniais da união estável e da linha tênue da referida união com o namoro, foram criados os contratos de namoro conceituados como “pactos por meio dos quais casais de namorados passaram a estabelecer convencionalmente a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade de seus respectivos patrimônios, em busca de segurança jurídica. Tratar-se-ia, como se percebe, de contrato com o intuito de tentar evitar a priori a configuração de união estável, declarando-se, expressamente, a inexistência de vida em comum” (Tepedino, 2023).
O presente artigo pretende discutir se o contrato de namoro atende aos objetivos dos celebrantes, ou seja, tal avença proporciona a segurança jurídica almejada pelas partes? Para responder ao questionamento fizemos uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto.
Destacamos, de início, que o Código Civil estabelece que é permitido às partes estipular contratos atípicos, desde que observadas as normas pelo código fixadas (art. 425). Existem os contratos tipificados em lei como a empreitada, depósito, compra e venda, dentre outros. No entanto, a complexidade social não permite que o legislador possa tipificar prévia e abstratamente todos os contratos possíveis e imagináveis. Logo, é permitido às partes celebrar contratos não previstos em lei. Sobre a atipicidade dos contratos, o insigne civilista Fábio Ulhoa Coelho esclarece "quando o contrato é atípico (legal e socialmente falando), as partes têm a mais ampla liberdade possível para dispor, no instrumento contratual, acerca dos direitos e obrigações que se outorgam. Devem obediência apenas aos balizamentos próprios da autonomia privada: respeito à ordem pública, bons costumes e função social, além de observância dos deveres de transparência nas informações e boa-fé." (Coelho, 2022).
Como aduz o ilustre civilista Tepedino (2023) os contratantes buscam, com o contrato de namoro evitar a configuração da união estável. Ocorre que os requisitos da união estável estão disciplinados expressamente na lei, ou seja, “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, nos termos do artigo 1.723, do Código Civil.
A união estável, para sua configuração, não depende de contrato ou qualquer outra formalidade. Comprovados os requisitos exigidos pelo artigo 1.723 do Código Civil caracterizada está a união estável com todas implicações do regime de comunhão parcial de bens (artigo 1.725 do Código Civil).
Coelho (2022) elenca os mais diversos meios de prova hábeis a serem utilizados para provar a existência de uma união estável como "extratos de contas bancárias conjuntas, reiteradas movimentações de cartão de crédito de um deles relativas a despesas do interesse comum ou do outro, designação do companheiro como segurado em seguro de vida, testamento legando ao convivente bens de valor significativo, aquisição em condomínio de imóvel residencial etc.; além dos documentos, outros meios se mostram aptos a provar a união estável: fotografias de viagens em comum, festas e eventos familiares, nas quais os litigantes aparecem como companheiros; testemunhas que confirmem a convivência e suas características. É certo que nenhum desses elementos isoladamente basta à prova da união estável. Do conjunto probatório deve resultar a demonstração inequívoca do preenchimento dos requisitos legais dessa entidade familiar (affectio maritalis, durabilidade, continuidade e publicidade)."
A argumentação supra serviu apenas para demonstrar que se os requisitos da união estável estiverem presentes “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, não será um simples contrato de namoro que irá afastar a incidência da respectiva união no caso concreto. E não é só eu que faço tal afirmação, a doutrina é quase unânime em tal assertiva.
Vamos iniciar a análise pelos clássicos, como o insuperável Carlos Roberto Gonçalves: “o denominado “contrato de namoro” tem, todavia, eficácia relativa, pois a união estável é, como já enfatizado, um fato jurídico, um fato da vida, uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas que decorrem da convivência humana. Se as aparências e a notoriedade do relacionamento público caracterizarem uma união estável, de nada valerá contrato dessa espécie que estabeleça o contrário e que busque neutralizar a incidência de normas cogentes, de ordem pública, inafastáveis pela simples vontade das partes”. (Gonçalves, 2023)
De forma mais enfática, se manifesta Flávio Tartuce “é nulo o contrato de namoro nos casos em que existe entre as partes envolvidas uma união estável, eis que a parte renuncia por esse contrato e de forma indireta a alguns direitos essencialmente pessoais, como acontece no direito a alimentos. Esse contrato é nulo por fraude à lei imperativa (art. 166, inc. VI, do CC), e também por ser o seu objeto ilícito (art. 166, inc. II, do CC)”. (Tartuce, 2023).
Rolf Madeleno, com o brilhantismo de sempre, consigna, de forma assertiva, que “nenhuma validade terá um precedente contrato de namoro firmado entre um par afetivo que tencione evitar efeitos jurídicos de sua relação de amor, porque seus efeitos não decorrem do contrato e sim do comportamento socioafetivo que o casal desenvolver, pois, se com o tempo eles alcançaram no cotidiano a sua mútua satisfação, como se fossem um casal e não mais apenas namorados, expondo sua relação com as características do artigo 1.723 do Código Civil, então de nada serviu o contrato preventivo de namoro e que nada blinda se a relação se transmudou em uma inevitável união estável, pois diante destas evidências melhor teria sido que tivessem firmado logo um contrato de convivência modelado no regime da completa separação de bens”. (Madaleno, 2022)
Até mesmo autores favoráveis à celebração de tal avença ressalvam que "os efeitos jurídicos das manifestações de vontade expressas em determinado contrato de namoro serão sempre relativos e devem ser analisados tomando como base o contexto fático vivido pelos sujeitos daquele relacionamento afetivo, para apuração concreta se a relação possui ou não caráter familiar" (Caiuby, 2022)
Maria Berenice Dias até reconhece a validade do contrato de namoro, mas com muitas ressalvas, uma vez que “a única possibilidade é de os namorados firmarem uma declaração referente à situação de ordem patrimonial presente e pretérita. O contrato com a finalidade de blindagem do patrimônio individual, seria um nada jurídico (...) emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento que preveja a incomunicabilidade patrimonial corresponderia à adoção do regime de separação convencional de bens e pode ser fonte de enriquecimento sem causa” (Dias, 2021).
Por fim, com a clareza e sapiência jurídica que lhe são peculiares, Coelho argumenta que “o contrato de namoro não prevalecerá, evidentemente, quando provado o preenchimento dos requisitos legais da união estável ou mesmo se demonstrado que aquela intenção originária se alterou com o tempo. Assim é porque o decisivo à configuração de determinado relacionamento como namoro ou união estável são as características que o cercam, e não os documentos firmados pelas partes. Mesmo a exibição do instrumento escrito de contrato de convivência não prevalece diante da prova de que a união pretendida não sobreviveu aos primeiros meses, faltando-lhe por isso o requisito da durabilidade."(Coelho, 2022)
Perceba: de nada valerá a celebração de um contrato de namoro quando presentes os requisitos da união estável. Não adianta morar junto, viver como se casado fosse e achar que a realidade fática será apagada com um simples contrato que afirma que tal relação constitui apenas um namoro sem maiores consequências jurídicas.
Já vimos, portanto, que a doutrina tem severas e insuperáveis restrições ao contrato de namoro. E a jurisprudência? Será que é influenciada pela doutrina ou, ao contrário, reconhece a validade e eficácia de tais avenças? Ressaltamos preliminarmente que encontramos poucos julgados que discutem especificamente o contrato de namoro.
O Tribunal de Justiça de São Paulo teve que julgar um caso em que as partes ajuizaram “ação de reconhecimento e dissolução de contrato de namoro consensual” e pretendiam obter “a homologação do contrato de namoro e sua dissolução, bem como a doação de um imóvel para a contratante”. As partes asseveraram que “mantiveram relacionamento amoroso por aproximadamente 15 anos (2000 a março de 2015), tratando-se de namoro e durante um ano e meio foram noivos, no período do namoro/noivado residiram em casas diferentes e por diversos desentendimentos resolveram terminar o relacionamento”. O Tribunal entendeu que as partes “são carecedores da ação, pela falta do interesse de agir e o pedido ser juridicamente impossível”. O relator, Desembargador Beretta da Silveira, consignou que “o autor não precisa ajuizar uma ação para doar o imóvel para a requerente (...) e que a “pretensão não encontra amparo no ordenamento jurídico, não podendo ser posta em juízo para solução pelo Poder Judiciário”. (TJ-SP - APL: 10254811320158260554 SP 1025481-13.2015.8.26.0554, Relator: Beretta da Silveira, Data de Julgamento: 28/06/2016, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/06/2016).
O Superior Tribunal de Justiça no AREsp: 1149402 RJ asseverou que “nessa ordem de ideias, pela regra da primazia da realidade, um" contrato de namoro "não terá validade nenhuma em caso de separação, se, de fato a união tiver sido estável” (STJ - AREsp: 1149402 RJ 2017/0196452-8, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 15/09/2017). É importante frisar que o acórdão versa sobre união estável e a afirmação do relator constitui argumentos de passagem do voto, de mero reforço, tecnicamente chamado de obter dictum que significa “todo e qualquer argumento que seja dispensável para a determinação da norma do precedente e que tem a função apenas de complementação, reforço argumentativo e ilustração das razões da decisão. São, pois, sedimentados sem que representem maiores relevância para a própria decisão judicial proferida" (Miranda, 2022)
O Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a validade do contrato de namoro celebrado entre as partes, no entanto ficou patente no acórdão que não foram “preenchidos os elementos essenciais caracterizadores da união estável previstos na lei”. (TJ-SP - AC: 10008846520168260288 SP 1000884-65.2016.8.26.0288, Relator: Rogério Murillo Pereira Cimino, Data de Julgamento: 25/06/2020, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/06/2020). O relator, Desembargador Rogério Murillo Pereira Cimino deixou consignado no voto “se depreende dos elementos trazidos à colação, não há prova da intenção de constituição de uma entidade familiar entre o ora apelante e a apelada”. Dessa forma, o contrato de namoro só teve a validade reconhecida porque não foram demonstrados os requisitos caracterizadores da união estável, ex vi do artigo 1.723, do Código Civil.
Após discorremos sobre os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do contrato de namoro, podemos concluir que:
a) é permitido às partes estipular contratos atípicos, desde que observadas as normas gerais estabelecidas pelo Código Civil, dentre os quais a boa-fé objetiva, a função social dos contratos, a ordem pública e os bons costumes;
b) o contrato de namoro pode ser pactuado, desde que observados os requisitos de validade dos negócios jurídicos (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável). Não há exigência de formalidade na avença, conforme artigo 107 do Código Civil.
c) o contrato de namoro é nulo se tiver por objetivo fraudar a lei imperativa (art. 166, inc. VI, do CC).
d) o contrato de namoro será totalmente ineficaz, ou seja, não terá aptidão para produzir os efeitos jurídicos, caso a realidade fática demonstre a presença dos requisitos caracterizadores da união estável, ex vi, artigo 1.723, do Código Civil.
Verificamos, no início do artigo, que as partes no contrato de namoro buscam estabelecer convencionalmente a ausência de comprometimento recíproco e a incomunicabilidade de seus respectivos patrimônios, em busca de segurança jurídica. Ocorre que conforme verificamos na doutrina e nos poucos julgados disponíveis, o contrato de namoro não proporciona a segurança jurídica às partes. Ante o exposto, como o contrato de namoro não atende ao fim colimado pelas partes, o melhor é não assinar o referido contrato.
REFERÊNCIAS
CAIUBY, Celia. 7. As Relações de Afeto e os Aspectos Jurídicos do Contrato de Namoro In: CAIUBY, Celia. Família 4.0 - Ed. 2022. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/familia-40-ed-2022/1765409491. Acesso em: 13 de Junho de 2023.
COELHO, Fábio. Capítulo 27. Classificação dos Contratos In: COELHO, Fábio. Direito Civil. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/direito-civil/1540361368. Acesso em: 13 de Junho de 2023.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª edição. Salvador (BA): Editora Juspodivim, 2021.
GONCALVES, Carlos R. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v.6. São Paulo: Editora Saraiva, 2023. E-book. ISBN 9786553628359. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553628359/. Acesso em: 13 jun. 2023.
MADALENO, Rolf. Direito de Família. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN 9786559644872. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/. Acesso em: 13 jun. 2023.
MIRANDA, Victor; ALVIM, Teresa; TALAMINI, Eduardo. 3.1. Ratio Decidendi In: MIRANDA, Victor; ALVIM, Teresa; TALAMINI, Eduardo. Precedentes Judiciais - Ed. 2022. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/precedentes-judiciais-ed-2022/1672936988. Acesso em: 14 de Junho de 2023.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: Direito de Família. v.5. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559647132. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559647132/. Acesso em: 13 jun. 2023.
TEPEDINO, Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina B. Fundamentos do Direito Civil: Direito de Família. v.6. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2023. E-book. ISBN 9786559647880. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559647880/. Acesso em: 13 jun. 2023.
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