Por Diego Carvalho
Advogado registrado na OAB/MA sob registro 22.499. Especialista em Direito Médico e da Saúde.
As invasões de políticos em hospitais, disfarçadas de “fiscalizações”, têm se tornado uma prática comum, mas não trazem benefícios reais aos pacientes. Ao contrário, servem apenas como trampolim para a autopromoção dos vereadores nas redes sociais.
Recentemente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) manifestou seu repúdio a essas ações, que desrespeitam a dignidade dos profissionais de saúde e comprometem a qualidade do atendimento.
Nos últimos anos, figuras como Gabriel Monteiro, ex-vereador do Rio de Janeiro e youtuber, tornaram-se ícones dessa prática. Desde 2020, ele invadiu hospitais, hostilizando profissionais de saúde e criando um ambiente de medo e desconfiança. Um episódio emblemático ocorreu em 2021, quando ele deu voz de prisão a um médico em horário de repouso, acusando-o de estar dormindo durante o expediente. Essa ação não apenas gerou discursos de ódio, mas também expôs a equipe médica no CTI (Centro de Tratamento Intensivo), repleto de pacientes graves em ventilação mecânica, gerando grave risco de contaminação e mortes. Colocando a riscos desnecessários durante a pandemia.
Desde então, a invasão de hospitais por políticos virou prática comum sob o pretexto de fiscalizar o atendimento dos pacientes, mas com o único objetivo de ganhar visibilidade nas redes sociais. Em 2025, essa prática criminosa atingiu seu ápice, com casos seguidos nos estados de Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Recentemente, um episódio em Minas Gerais teve consequências fatais.
No dia 3 de fevereiro, um vereador invadiu uma Unidade Básica de Saúde (UBS) em Minas Gerais, durante o atendimento a um paciente em estado grave, alegando fiscalizar a demora no atendimento. Essa ação desestabilizou a equipe médica e culminou na morte de uma paciente de 93 anos. Os familiares descreveram a atitude do vereador como arrogante e desumana, ilustrando o quão longe pode chegar a busca por visibilidade a qualquer custo.
A prefeitura local também se manifestou, criticando a ação do parlamentar e afirmando que sua atitude “não faz jus ao mínimo de humanidade e empatia”.
Essas “fiscalizações” se revelam meros espetáculos midiáticos, que violam prerrogativas médicas e expõem os profissionais a situações de constrangimento. A verdadeira fiscalização deve ser realizada de maneira técnica e respeitosa, visando melhorias para a saúde pública, não o tumulto e a desordem.
Embora os vereadores tenham a prerrogativa de visitar unidades de saúde, essas visitas devem ser feitas com responsabilidade e respeito. É fundamental que qualquer fiscalização seja acompanhada por um responsável técnico, respeitando a privacidade de pacientes e médicos, e observando rigorosamente a legislação, incluindo o sigilo médico e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Gabriel Monteiro, por exemplo, foi condenado a indenizar médicos que foram alvo de suas ações, evidenciando que a legislação não tolera abusos. O Conselho Regional de Medicina (CREMESP) também se posicionou, destacando que a atuação dos parlamentares deve respeitar os direitos dos profissionais e pacientes.
Recentemente, o CREMESP obteve na Justiça uma liminar contra um vereador que invade hospitais, impondo multa em caso de novas infrações. Apesar disso, o vereador ignorou a decisão, afirmando que continuará suas ações.
Desde 2020, tramita um projeto de lei na Câmara dos Deputados que tipifica como crime a invasão de áreas restritas em hospitais sem autorização. O texto prevê penas que variam de três a seis meses de detenção ou multa, e de seis meses a dois anos em casos de violência ou múltiplos invasores. Aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em 2023, o projeto ainda aguarda novas deliberações.
As invasões a hospitais se tornaram uma prática recorrente, impulsionadas pelo engajamento que geram. Infelizmente, o público brasileiro muitas vezes se atrai pela polêmica e pelo sensacionalismo. Enquanto esse tipo de conteúdo continuar a ser amplamente consumido e promovido nas redes sociais, todos nós pagaremos um alto preço. É crucial um alerta: o internauta que hoje dá “like” no vídeo do vereador e acha tudo engraçado pode, amanhã, se deparar com a dolorosa realidade de perder um familiar envolvido nesse espetáculo de desumanização.
Este texto visa não apenas informar, mas também instigar a classe médica a refletir criticamente sobre a proteção da dignidade e dos direitos dos profissionais de saúde. É fundamental promover um debate construtivo sobre a responsabilidade coletiva na construção de um sistema de saúde mais justo e humano.
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