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Artigo: Por Thiago Allisson - O Fenômeno dos Linchamentos na Perspectiva do Discurso da Imprensa Maranhense

A pesquisa em tela parte da premissa de que por trás de toda ação há um discurso e em todo discurso há relações de poder e uma economia do conhecimento voltada à produção de verdades, que obedecem a certos critérios (explícitos ou tácitos) que visam legitimar e/ou justificar as práticas de linchamento.

Redação
Por: Redação
16/06/2023 às 10h04 Atualizada em 27/02/2025 às 14h31
Artigo: Por Thiago Allisson - O Fenômeno dos Linchamentos na Perspectiva do Discurso da Imprensa Maranhense
Imagem Reprodução | Redes Sociais

Por Thiago Alisson Cardoso de Jesus
Advogado, Professor, Mestre e Pós-Doutor.

e Maria Aparecida Santos
Graduada em Letras Inglês e Direito, Mestra e Pós-graduada.

Tradicionalmente, o fenômeno do linchamento pode ser entendido como um ato de violência praticado por um grupo de pessoas que, coletivamente, espanca, apedreja, tortura determinado indivíduo por algum comportamento (anterior) tido como socialmente injusto. Dentro deste contexto, o ato de linchar envolve uma gama de fatores que perpassa, antes de tudo, pela percepção e afirmação de que a ordem social está rompida.

O Estado passa a ser visto como incapaz de assegurar a efetivação da segurança pública e da Justiça, ocasionando, portanto, uma ruptura entre a harmonia social e o Estado Democrático de Direito. Assim, quando sujeitos de direitos e deveres comprometem a integridade física e psíquica de outrem, que não é menos humano por ter delinquido, emerge, nesse cenário, o descrédito do sistema punitivo estatal.

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Tradicionalmente, o fenômeno do linchamento pode ser entendido como um ato de violência praticado por um grupo de pessoas que, coletivamente, espanca, apedreja, tortura determinado indivíduo por algum comportamento (anterior) tido como socialmente injusto. Dentro deste contexto, o ato de linchar envolve uma gama de fatores que perpassa, antes de tudo, pela percepção e afirmação de que a ordem social está rompida. O Estado passa a ser visto como incapaz de assegurar a efetivação da segurança pública e da Justiça, ocasionando, portanto, uma ruptura entre a harmonia social e o Estado Democrático de Direito. Assim, quando sujeitos de direitos e deveres comprometem a integridade física e psíquica de outrem, que não é menos humano por ter delinquido, emerge, nesse cenário, o descrédito do sistema punitivo estatal.

Ademais, os linchamentos expressam a violação de certos valores sociais, tais como o trabalho, a segurança e a boa convivência em sociedade. Assim, frente ao colapso social vivenciado, a justiça feita com as próprias mãos acaba sendo uma resposta às negligências do Estado no âmbito da segurança pública, do sistema penitenciário, da educação, dentre outros.

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Com efeito, aquele que viola a lei é visto como inimigo da sociedade, tornando-se, nos casos de linchamentos, indigno do direito de defesa e de ser julgado pelo Estado-juiz. A comunidade não tolera a sua existência. Neste cenário, o ato de linchar, entendido como uma punição, resulta, em certa medida, em uma equivalência ao dano causado a outrem ou à sociedade. Contudo, na medida em que a prática de linchamento aumenta, intensifica-se com ela um ciclo de violência, de violação de direitos e de descrédito em relação aos órgãos responsáveis pela proteção da comunidade.

Nessa toada, a comunicação de massa, muito especificamente a imprensa jornalística, sustenta e promove a legitimação dos casos de linchamento quando produz discursos capazes de transferir à pessoa linchada a responsabilidade pelas agressões que sofre. Assim, a pesquisa em tela parte da premissa de que por trás de toda ação há um discurso e em todo discurso há relações de poder e uma economia do conhecimento voltada à produção de verdades, que obedecem a certos critérios (explícitos ou tácitos) que visam legitimar e/ou justificar as práticas de linchamento.

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Em face disso, o presente artigo tem por escopo problematizar as relações entre o descrédito no Sistema de Justiça Criminal e o fenômeno dos linchamentos, refletindo acerca da construção do sujeito linchado como inimigo da sociedade, a partir dos discursos e percepções que integram uma amostra composta por jornais maranhenses O Imparcial, Jornal Pequeno e O Estado do Maranhão3 , no ano de 2018.

Diante disto, elegem-se como fundamento basilar as concepções de Foucault (2008; 2012) acerca das relações de poder, discursos e produções de verdades. Ademais, dedicou-se especial atenção aos postulados de Benevides (1983) e Martins (2015), que utilizaram como fonte de pesquisa para suas produções o discurso jornalístico acerca do fenômeno dos linchamentos. Ressalta-se, ainda, que a pesquisa se pautou em referenciais teóricos pertinentes às categorias linchamentos, violência, medo, discurso do ódio, Sistema de Justiça Criminal, comunicação de massa, com vistas a atender a proposta da presente investigação.

Comumente, pesquisadores situam socioespacialmente a origem do termo linchamento aos Estados Unidos, em referência ao fazendeiro norte-americano, Charles Lynch (1736-1796), “que dirigia uma pequena organização destinada a julgar e punir bandidos e – na época – simpatizantes dos colonizadores ingleses, durante as lutas da independência americana” (RIOS, 1988, p. 212). Juiz de paz do Estado de Virgínia, Charles Lynch promoveu a legitimação da sua atuação com a promulgação de uma lei que levou seu nome (Lei de Lynch) e que perpetuou a forma sumária de castigo mortal, aplicada por um grupo de pessoas, sem qualquer amparo do direito, da lei ou dos tribunais (MARTIN, 1976).

Entretanto, convém pontuar que, antes que a expressão linchamento fosse popularmente usada e conceituada por estudiosos, a violência coletiva já era um fenômeno que possuía registros bem antigos na história humana. No entanto, refletir a historicidade da prática desse tipo violência é uma ambição distante das possibilidades desta pesquisa. A tentativa de identificar a ocorrência de fenômenos similares ao linchamento em sociedades pretéritas faz emergir um problema conceitual, haja vista que funções das instituições do sistema de justiça, quando existiam, apresentavam peculiaridades distintas em cada época e sociedade.

Decerto, não se pode olvidar que a prática da violência coletiva prosperou na expansão norte-americana para o Oeste, como uma maneira de se fazer justiça sem formalidades, rápida e direta contra ladrões e a quem abrigasse escravos fugidos (RIOS, 1988). No Brasil do século XIX, tal prática se apresentou como uma espécie de conotação diretamente racial, algo próximo do que ocorria nos EUA entre os anos de 1870 a 19304 (MARTINS, 1996).

Ocorre que, independentemente de os casos de linchamentos estarem relacionados à concepção de raça, existe uma indefinição a respeito da antiguidade do fenômeno e sobre as suas diversas manifestações. Com efeito, existem múltiplas definições ocasionadas pela maneira com a qual cada pesquisador problematiza o fenômeno, quer seja pelo contexto ou pelas convicções ideológicas que atribui, explícita ou implicitamente, ao termo. Ademais, outra dificuldade que incide na definição da expressão linchamento advém, em certa medida, da própria natureza diversa do fenômeno.

Contudo, uma das primeiras conceituações acerca do que seria a prática de linchamentos, deu-se, em 1905, com o sociólogo americano James E. Cutler, no seu livro intitulado Lynch-Law: An Investigation into the History of Lynching in the United States. Nesta obra, o sociólogo conceituou os linchamentos como uma “execução ilegal e sumária nas mãos de uma multidão ou de várias pessoas que, de certa forma, têm a opinião pública da comunidade por trás delas” (CUTLER, 1905, p.276).5 Ademais, explicou que “os linchamentos podem ocorrer porque a ofensa cometida pelo infrator está fora da lei e é considerada grave o suficiente para merecer uma punição severa” (CUTLER, 1905, p. 277).6

Em correspondência à bibliografia norte-americana, Benevides (1983, p. 229) entende a prática de linchamentos como uma ação violenta coletiva para a “punição sumária de indivíduos, suposta ou efetivamente, acusados de um crime – do simples furto ao assassinato [...]”. Além disto, para a autora,

caracteriza o linchamento a natureza de vingança, além da “justiça” punitiva (geralmente acompanhada de métodos de tortura), à margem de julgamentos ou normas legais. E mesmo quando sob nítida liderança e algum tipo de planejamento, o linchamento é considerado um fenômeno explosivo e espontaneísta, associado à “patologia das multidões”. Em termos populares, o linchamento é o “ato de se fazer justiça com as próprias mãos” (BENEVIDES, 1983, p. 229-230, grifos nossos).

Adorno e Pasinato (2007, p. 138), por sua vez, consideram os linchamentos como uma modalidade de ação coletiva, cujo propósito é “executar sumariamente um ou mais indivíduos aos quais é imputada a responsabilidade pelo cometimento de crimes [...]”. Em consonância a este pensamento, Sinhoretto (2002, p. 40), também, entende como linchamento “práticas coletivas de execução sumária de pessoas consideradas criminosas”. Já para Martins (1996, p. 12),

[os linchamentos são] julgamentos frequentemente súbitos, carregados da emoção do ódio ou do medo, em que os acusadores são quase sempre anônimos, que se sentem dispensados da necessidade de apresentação de provas que fundamentem suas suspeitas, em que a vítima não tem nem tempo nem oportunidade de provar sua inocência. Tratase de julgamento sem a participação de um terceiro, isento e neutro, o juiz, que julga segundo critérios objetivos e impessoais, segundo a razão e não segundo a paixão. Sobretudo, trata-se de julgamento sem possibilidade de apelação.

Tem-se, portanto, que no linchamento, os linchadores se vingam do sujeito que cometeu uma conduta considerada socialmente reprovável. Neste cenário, alguns setores da mídia têm papel preponderante na propagação da imagem do linchado como o real inimigo da sociedade. Como objeto do discurso jornalístico e de uma economia da informação, o suspeito pelo cometimento de um eventual delito é, implícita ou explicitamente, retratado de maneira pejorativa nas reportagens.

Assim, se por um lado é visível a demonização do outro, é também observável a construção de heróis, a exemplo dos sujeitos que lincham o indivíduo tido como inimigo da comunidade em uma sociedade em rede e de intensa espetacularização, que retroalimenta ciclos de violência e provoca novas violações de direitos.

Acesse a integra do trabalho em: O Fenômeno dos Linchamentos na Perspectiva do Discurso da Imprensa Maranhense

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